O futebol desperta muitas emoções. Positivas ou negativas, cada pessoa tem a sua maneira de lidar com o jogo. Há pessoas que odeiam certo clube, certo jogador, certo treinador. Confesso que o futebol também me desperta um certo ódio, mas não tem nada a ver com um clube rival, com a falta de habilidade de um jogador ou com um treinador que não sabe pôr uma equipa a defender, à zona, nas bolas paradas. Aliás, o meu ódio é mais específico, porque não tem bem a ver com os intervenientes do jogo, mas mais com um interveniente fora do jogo. Não, não estou a falar dos adeptos, nem dos comentadores. Estou a falar da minha mãe.
Eu odeio ver um jogo de futebol com a minha mãe. A sua presença faz-me odiar ver futebol. Sempre que ela está no mesmo espaço físico que eu, consigo transformar-me num membro da claque dos Super Dragões, Juve Leo, No Name Boys, White Angels e Mancha Negra – tudo na mesma pessoa – tal é o odio que sinto dentro de mim. É mais ou menos como aquela cena dos Power Rangers, que levam coça dos maus e, de um momento para o outro, cada Power Ranger junta-se e transforma-se num só e o episódio acaba bem. Atenção: esta raiva não apareceu de um momento para o outro. Isto é o culminar de anos e anos a levar com questões, comentários e comportamentos muito pouco aceitáveis.
As perguntas da minha mãe andam sempre à volta do mesmo: só mudam as personagens e normalmente não são mais que três. Uma pergunta, muito frequente, que me coloca: “O Real Madrid são os de branco, não são?” É uma pergunta que até pode ser pertinente se for colocada no início do jogo e se a equipa for desconhecida. O problema é que é quase sempre depois do minuto 60 e a equipa é um colosso mundial. Eu acho que a minha mãe deve pensar que está a ver um filme de suspense. “O que está por detrás de tudo isto é o que apareceu de casaco vermelho, não é?”
Outra pergunta que faz é: “O que é que acontece se o resultado ficar assim?” Nada, mãe. Não acontece nada. O árbitro apita para o final e ninguém é decapitado. O que é que poderia acontecer? O árbitro apitava e dizia para os jogadores: “Ok, 90 minutos de futebol, vamos agora para a primeira parte do jogo da parede.”
São questões, como estas, que ando a levar ano após ano, constantemente. Há mais uma: “O Ronaldo não está no Chelsea?” Nossa senhora, tanta profanação numa só pergunta! Mais uma vez, podia ser uma pergunta pertinente se não estivéssemos a falar do melhor jogador do mundo. Se fosse algo do género: “O Miguelito – defesa que passou pelo Benfica – não está no Vitória de Setúbal?” Aí está uma boa pergunta, mãe. Não te sei responder. Vou ver no zerozero...Neste momento, está a jogar no Chaves.
É que isto são coisas que mexem comigo. Não consigo ver futebol descansado. E os comentários? Meu deus, os comentários! Os comentários são sempre sobre o tipo de penteado dos jogadores. Sempre. “Olha-me para o cabelo deste.” “Que lindo penteado.” “Que penteado tão ridículo.” É sempre isto. Não há um comentário que seja: “Epá, excelente transição defesa-ataque a conseguir roubar, rapidamente, a bola e a disponibilizar, imediatamente, nos extremos.” É sempre sobre folículos capilares.
Mais: o seu comportamento durante um jogo. Eu consigo ver uma partida de futebol, sentado no sofá, durante os 90 minutos. A minha mãe não. Sem mais nem menos, num pontapé de canto, levanta-se do sofá e vai-se embora. Mas tu és o quê? Um gato? O engraçado é que depois só volta passado uns 20 minutos e não dá qualquer justificação. Senta-se como se não fosse nada.
É que, lá está, estamos a falar de uma mulher que não tem qualquer interesse pela modalidade, mas tenta demonstrar interesse. E isso faz-me odiar ver futebol com ela. O que eu mais sonho é ver a minha mãe num desses programas desportivos. Se os ânimos, nesses programas, já ficam exaltados, nem quero imaginar com a minha mãe lá presente.
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