Tinha acabado de jantar. A comida foi peixe. Estava bom e estive quase para repetir. Fui à casa de banho lavar as mãos e depois voltei para a cozinha. O curto espaço de tempo em que estive ausente deu tempo, para a minha mãe, acender o incenso. Apercebi-me, antes de chegar à cozinha, que tinha acendido, porque o fumo que lavrava pela casa toda assemelhava-se a um incêndio florestal, na Serra do Caramulo - até fiquei com a impressão de ouvir as sirenes dos bombeiros ao fundo da rua. Perguntei à minha progenitora a razão de atear o incenso, que mais parece o resultado biológico de uma vela ter feito amor com um foguete. Justificou a sua acção com um “é para a casa ficar a cheirar bem”. Repliquei que “se ficar a cheirar bem é ficar a cheirar a Ruffles de churrasco, com um extracto de lavada, então acho que conseguiste”.
Nunca confiei muito num ambientador que se revela muito semelhante a um tio que fuma 2 maços de tabaco desde os 15 anos. Por isso, procurei inventar uma história para conseguir persuadir a minha mãe a deixar de usar. Comecei com uma piada: “Mãe, já agora que acendeste o incenso, diz-me o que é que o Oráculo de Bellini tem a dizer sobre o dia de amanhã.” Ela não se riu. Entendi a postura e continuei: “Estás a ver aquela cinza que o incenso vai deixando? Já ouviste falar em Auschwitz-Birkenau? O rumor que perdura, desses tempos, é que matar, uma quantidade enorme de judeus, pode deixar uma pessoa abatida. A solução que os Nazis encontraram, para combater a depressão, foi transformar os corpos cremados em fantásticas embalagens de incenso que, mais tarde, foram enviadas para todas as lojas Natura espalhadas pela Europa.” Por momentos achei que tinha convencido a minha mãe, ao qual ela me responde: “Que ridículo. Se o incenso, à venda, fosse de judeus mortos no holocausto, como é que explicas que, este que acabei de queimar, é da cremação da tua avó do ano passado?”
Abandonei a cozinha lavado em lágrimas. Não só porque fiquei a saber, da boca da minha mãe, que a minha avó é agora usada como incenso, mas porque não consigo pôr na cabeça como a minha avó – que foi tão importante para a minha vida -, se transformou num péssimo ambientador para a casa.
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