28.5.14

Delírios Declarativos #4

Há casos de pais que tratam os filhos com uma espécie de alcunha. Por exemplo: tratam Catarina, por Cate; tratam João, por Jota; Patrícia, por Ticha. Ok, não é bem uma alcunha. Também não é bem um diminutivo. Basicamente é um novo nome dado ao progenitor. Esta acção acaba por ser considerada usual não só no meio familiar, mas também pela parte de amigos ou conhecidos. É uma demonstração de carinho, de afecto, de intimidade com a pessoa, mas que, em relação aos pais, revela pouca astúcia. É que estamos perante as pessoas responsáveis pela nomenclatura do filho. Se estás a tratar o teu filho com outro nome além do dele, quando coube a ti tomar a decisão, então porque é que não o chamaste dessa maneira?

Foste o responsável do nome que o irá identificar para o resto da sua vida; foste tu que lutaste e arranjaste argumentos, com a tua sogra, para dares o nome de um antigo deus ancestral, porque tem o significado de uma pessoa lutadora, corajosa e com grave problema de ácido úrico. E já agora: se é verdade que o nome pode já ter pertencido a um deus da sabedoria, também não deixa de ser verdade que, desde então, o nível de prestígio desse nome foi sempre a descer. Pode já ter pertencido a um deus da antiga Grécia, mas também já pertenceu a um centurião romano que tinha um fetiche em entupir os aquedutos da cidade com os próprios excrementos; já pertenceu a um cruzado que fazia muito barulho a comer e por isso foi descoberto e morto pelos mouros, num bordel, perto de Constantinopla; já pertenceu a um ajudante de um navegador, na época dos Descobrimentos, que a única coisa que descobriu, nas suas viagens, foi o astrolábio que pensava tê-lo perdido em casa da avó; e já pertenceu a um deputado. És o responsável e sempre que o chamas de outra maneira devias estar a demonstrar arrependimento.

Como é que vais reagir quando o teu filho chegar a casa, da escola, a chorar, porque lhe estão a chamar nomes? Que autoridade vais ter? A pessoa que o conhece há mais tempo, que sabe o nome de cor, mesmo assim está a tratá-lo doutra maneira. É que parece que estás a gozar com o miúdo. Depois, claro que o Cajó, da turma de mecânica, o chama de "Afunda Piças".

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